União estável virtual: é possível?
Por Anderson Albuquerque
A forma de se relacionar mudou bastante em relação ao século passado, e mais ainda nas últimas décadas. Na era da informação em que vivemos, são muitos os casais que se conhecem por meio da internet, geralmente por meio de aplicativos de relacionamento.
A distância entre eles, nesses casos, pode ser grande – a internet rompe as barreiras geográficas, então um homem que mora no Japão pode facilmente conhecer uma mulher que mora no Brasil e com ela iniciar um relacionamento virtual.
A pandemia intensificou esse tipo de relação, já que as pessoas estavam impedidas de sair de casa, e o único meio possível de conhecer gente nova era por intermédio da internet. Mas será que esse relacionamento virtual pode ser considerado uma união estável?
Para que um relacionamento seja considerado união estável, ele precisa cumprir alguns requisitos, segundo o artigo 1.723 do Código Civil de 2002: ser uma relação de convivência pública, contínua e duradoura entre duas pessoas, com o objetivo de constituição familiar.
Entenda-se aqui que a concepção de família não pressupõe a existência de filhos – o casal por si só constitui uma família, que pode ser formada por casais homoafetivos também. Além disso, diferentemente do que muitos pensam, não há obrigatoriedade de coabitação, ou seja, morar na mesma residência não é requisito para constituição de união estável.
É possível possuir todos os requisitos formais – convivência pública, contínua e duradoura com objetivo de constituir família – até mesmo nos casos em que o casal mora em cidades ou estados distintos. Deste modo, podem existir companheiros que moram em casas separadas e namorados que moram juntos.
Aliás, outra crença comum é a da necessidade de que o relacionamento tenha iniciado há no mínimo dois anos para que seja configurada a união estável. Contudo, atualmente não existe nenhum requisito temporal para que seja reconhecida a união estável, sendo os requisitos legais os únicos responsáveis pela configuração dessa entidade familiar.
Assim, como a legislação brasileira não mais prevê um tempo mínimo de convivência para que a união estável seja configurada, podem existir namoros longos, de muitos anos, e uniões estáveis bem recentes. Como diferenciar, então, um namoro de uma união estável?
A principal diferença entre ambos é o objetivo de constituir uma família, não importa o tempo que se relacionam e se moram ou não juntos. Se o seu relacionamento é apenas um namoro (mesmo que morem juntos há muito tempo), é possível fazer um contrato de namoro. Este elemento demonstra que as partes não têm intenção de constituir família e, portanto, tem objetivo de afastar um requisito indispensável da união estável. Em caso de ruptura do relacionamento, o ex-namorado ou ex-namorada não terá direito à partilha de bens, exceto aqueles adquiridos de forma conjunta.
Entretanto, se você acha que seu relacionamento vai além de um simples namoro, que configura uma união estável, embora a Justiça não exija nenhum documento para estabelecê-la, é possível fazer um contrato/escritura de união estável, que definirá juridicamente a relação. Nesse documento é possível, inclusive, estipular o regime de bens que será adotado, que terá consequências em uma eventual partilha de bens ou sucessão.
Mas e com relação ao relacionamento virtual, ele pode vir a ser considerado união estável? O nosso ordenamento jurídico já reconheceu o envolvimento virtual, mas ainda não estabeleceu o status de entidade familiar, ou seja, ele é considerado tão somente uma fase de construção do relacionamento, podendo configurar um momento pré-união estável.
Como mencionado, a pandemia intensificou ainda mais a forma de se relacionar. Muitos passaram a trabalhar de casa, virtualmente, então não é de se espantar que os relacionamentos virtuais também tenham crescido.
Esses relacionamentos podem cumprir os mesmos requisitos de uma união estável física, presencial. O requisito de convivência pública, contínua e duradoura pode ser comprovado por meio de fotos em redes sociais em diferentes datas, que publicizam o relacionamento e evidenciam sua duração.
O elemento mais distintivo da união estável em relação ao namoro, que é o objetivo de constituir uma família, pode ser comprovado por meio de conta conjunta, plano de saúde, e até mesmo pela existência de filhos em comum.
Os relacionamentos virtuais, portanto, quebram os padrões dos relacionamentos presenciais, mas se cumprirem os mesmos requisitos jurídicos de uma união estável física, legitimam essa relação.
Embora ainda não haja previsão legal acerca da união estável virtual, o Direito de Família busca sempre se adaptar aos novos cenários das relações familiares, e certamente ainda haverá muito debate sobre o tema.
Anderson Albuquerque – Direito da Mulher - União estável virtual