Dependência química e herança
Por Anderson Albuquerque
O telefone toca de madrugada. Uma mãe acorda, sobressaltada, temendo o pior. Desde a última vez em que a polícia ligou porque seu filho estava caído na rua, desacordado, suas noites não são as mesmas.
Essa, infelizmente, é a realidade de muitas mães, irmãs, esposas – mulheres que têm familiares que são dependentes químicos. A dependência química é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e progressiva, que gera outras doenças e pode ser fatal.
Segundo apurado pelo Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entre junho de 2012 e julho de 2013 (últimos dados relevantes sobre o tema), ao menos 28 milhões de pessoas no Brasil possuem algum familiar que é dependente químico.
A desconfiança começa quando a pessoa começa a mudar de comportamento – dependendo de que substância ela estiver fazendo uso, pode se tornar mais eufórica ou mais prostrada. A saída, nos casos mais graves, é a internação.
Esse é, porém, um complicador financeiro enorme para o parente que arca com as despesas. E não são poucos. Ainda de acordo com a pesquisa, 58% dos casos de internação foram pagos pelo próprio familiar, e em somente 9% dos casos houve cobertura de algum tipo de convênio.
Já o uso de hospitais públicos, do Sistema Único de Saúde (SUS), foi mencionado somente por 6,5% das famílias de usuários internados. Poucas pessoas sabem que da existência dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps Álcool e Drogas), cujos serviços de reabilitação são oferecidos pelo Ministério da Saúde.
O dependente de drogas pode, ainda, ter direito ao auxílio-doença, se for segurado do INSS, estiver em tratamento prolongado, cumprir a carência e provar que não pode trabalhar ou realizar atividades comuns por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
É importante ressaltar que, independentemente da clínica em que o dependente estiver, seja ela pública ou particular, é possível pedir o auxílio, enquanto ele estiver realizando o tratamento.
Mas o prejuízo ao familiar de um dependente químico não se resume somente ao âmbito financeiro. O estudo aponta também que 58% das famílias com usuários de drogas têm afetadas a capacidade de trabalhar ou estudar, 33% têm medo de que seu parente morra do uso abusivo da droga e já sofreram ameaças e 29% são pessimistas com relação ao seu futuro imediato.
Os usuários também são mais prováveis de cometer violência doméstica, abuso verbal, abuso infantil, roubar familiares para sustentar o vício, dirigir embriagado, entre outros comportamentos perigosos.
Esses tipos de atitude causam na família uma insegurança com relação ao futuro do dependente químico e um abalo psicológico que pode levar a consequências mais graves, como a depressão.
Muitos parentes acreditam que a situação é tão grave a ponto de o dependente não ter mais condições de gerir seu próprio patrimônio. Nesses casos, será necessário buscar um advogado para entrar com uma ação judicial de interdição de dependente químico. Se deferida, a administração de seus bens passará a um curador, que fará a gestão patrimonial, evitando assim que o dependente acabe com seu patrimônio.
É fundamental pontuar que, diferentemente do que vemos retratado em algumas novelas, a dependência química, por si só, não é um fator de deserdação da herança. As hipóteses estão previstas de forma taxativa nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil.
Muitas pessoas veem a dependência química como falta de “vergonha na cara” do usuário, quando de fato ela é uma doença grave que, como vimos, afeta de forma muitas vezes irreversível não só o usuário como seus familiares. É preciso, assim, que haja mais políticas públicas de prevenção e que o tratamento seja extensivo aos familiares, que sem dúvida precisa de apoio psicológico.
Anderson Albuquerque
– Direito da Mulher – Dependência química e herança