Abandono afetivo: meu filho pode retirar o nome do pai da certidão?
Por Anderson Albuquerque
De janeiro a junho de 2023, o Brasil já registrou 96.280 crianças apenas com o nome da mãe na certidão de nascimento. Os dados são do Portal da Transparência, da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen).
Infelizmente, essa é a realidade de muitas mulheres em todo o Brasil. O genitor – pois nesses casos não pode ser chamado de pai – não faz nenhuma questão de conviver com o filho, de vê-lo crescer, de participar ativamente de seu desenvolvimento.
O que muitas mulheres não sabem é que essa ausência tem nome: abandono afetivo. O abandono afetivo vai além da falta de registro do filho – ocorre quando um dos pais (ou ambos) não cumpre com seu dever de proteção, convivência e assistência afetiva.
Todos esses deveres são decorrentes do poder familiar, que deve ser exercido por ambos os pais por meio da autoridade parental, isto é, exercer com responsabilidade todos os direitos e deveres relativos à criação e educação dos filhos menores.
O abandono afetivo pode acontecer por inúmeros fatores, mas suas consequências são sempre graves. A família é essencial para o pleno desenvolvimento de uma criança, o afeto e o dever de cuidado são os principais fundamentos do Direito de Família, e estão ligados ao princípio da dignidade humana.
No dia 9 de setembro de 2015, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal aprovou o projeto de lei PLS 700/2007, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a fim de caracterizar o abandono moral dos filhos pelos pais como um ilícito civil e penal.
Além de estabelecer os deveres de sustento, guarda e de educação dos filhos menores, o ECA agora também atribui aos pais os deveres de convivência, assistência material e moral. Esses aspectos passaram a ser considerados nas decisões judiciais que envolvem o melhor interesse das crianças e adolescentes.
Além disso, o código Civil prevê algumas hipóteses de suspensão e extinção do poder familiar, situação em que um ou ambos os pais ficam impossibilitados de exercer a autoridade parental em relação ao filho menor:
O artigo 1.637 do Código Civil prevê que:
“Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.”
O abandono do filho, seja afetivo ou material, não só é configurado como crime, mas também é considerado um fundamento legal para que o poder familiar do genitor seja destituído nos casos em que ficar comprovado que a criança se encontra em situação de risco.
Esses casos são mais extremos, mas a pergunta que fica é: e nos casos em que a criança não corre risco, mas o pai é ausente e não paga pensão alimentícia? Será que o nome do pai pode ser retirado da certidão de nascimento?
Retirar o nome do genitor da certidão de nascimento não é tão simples. Isso porque há normas no ordenamento jurídico, como a imutabilidade do nome e o interesse na preservação da origem biológica. Contudo, tal procedimento pode ser realizado por meio de decisão judicial que autorize a retirada, se comprovado prejuízo e constrangimento gerado pela manutenção do nome do genitor na certidão.
A retirada implica a desconstituição da filiação, e algumas consequências legais decorrem desse ato. Por exemplo, o filho perde o direito de pleitear pensão alimentícia e os direitos sucessórios em relação ao pai, ou seja, não receberá sua parte da herança quando o pai falecer.
Há casos divulgados na mídia, que aconteceram com pessoas famosas, em que o pai biológico não era presente e houve a perda de seu poder familiar para que o padrasto, que era na realidade quem cumpria o verdadeiro papel de pai, assumisse esse papel também legalmente. Nesses casos, houve o reconhecimento da paternidade socioafetiva e o nome do padrasto passou a constar também na certidão de nascimento.
É importante ressaltar, ainda, que pode constar na certidão de nascimento da criança tanto o nome do pai biológico quanto do afetivo. Mas o que realmente importa é que qualquer criança cresça cercada de afeto, num ambiente saudável, com uma forte rede de apoio para o seu desenvolvimento físico, social e psicológico.
Anderson Albuquerque – Direito da Mulher – Abandono afetivo e nome do pai na certidão