A proteção do homem amparada na Lei Maria da Penha

A proteção do homem amparada na Lei Maria da Penha

Por Anderson Albuquerque


O governo brasileiro, no dia 27 de novembro de 1995, depositou a Carta de Ratificação do instrumento multilateral da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra mulher ??? a chamada Convenção de Belém do Pará, que passou a vigorar no dia 27 de dezembro do mesmo ano.


A Convenção reconhece que a violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e que sua eliminação é uma condição indispensável para seu desenvolvimento individual e social.


Assim, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) foi criada, no dia 7 de agosto de 2006, em razão de  uma recomendação da OEA (Organização dos Estados Americanos) para que o Brasil efetuasse uma reforma legislativa para combater de forma definitiva a violência doméstica no país, depois de ter sido responsabilizado por negligência e omissão na apuração deste delito.


A Lei Maria da Penha teve que se adequar às legislações internacionais de proteção aos direitos das mulheres, como expresso no Art. 6º: ???A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.???


Diversos debates ocorreram com relação à constitucionalidade da Lei Maria da Penha, pois muitos a consideravam inconstitucional ao ferir o princípio da igualdade, uma vez que estava direcionada apenas à mulher como vítima de violência doméstica.


Na minha opinião, a Lei Maria da Penha pode ser usada de forma análoga para o homem, uma vez que todos são iguais perante a lei. Esse também é o entendimento de muitos representantes da magistratura, que vêm fazendo uso da Lei Maria da Penha para proteger o homem.


Esse foi o caso do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, que exarou decisão para proteger o homem, com âncora na Lei Maria da Penha. O magistrado deixou consignado que ???Embora em número consideravelmente menor, existem casos em que o homem é quem vem ser vítima da mulher tomada por sentimentos de posse e de fúria que levam a todos os tipos de violência, diga-se: física, psicológica, moral e financeira. No entanto, como bem destacado pelo douto causídico, para estes casos não existe prevenção à violência, pelo que requer a aplicação da lei em comento por analogia???.


Esta decisão não foi um caso isolado. Um juiz do Distrito Federal proibiu a aproximação e o contato de uma ex-namorada que começou a ter um comportamento agressivo contra o rapaz após o fim do relacionamento.


A vítima, neste caso o homem, alega que a ex-namorada começou a persegui-lo, agredi-lo, apedrejou seu veículo e sua residência, além de usar as redes sociais para fazer ameaças a ele e a seu filho menor. A mulher ainda ameaçou se ferir e acusá-lo desta agressão.


Com isso, o rapaz pleiteou uma medida protetiva de urgência e foi atendido pelo juiz, que aplicou, analogamente, o disposto no artigo 22, III, a e b da Lei 11.340/2006. A ex-namorada da vítima está proibida de fazer contato ou se aproximar ??? deve ficar afastada por 150 metros, sob pena de multa de mil reais.


Fica evidente, assim, que cada vez mais o judiciário brasileiro vem decidindo usar a Lei Maria da Penha em decisões análogas favoráveis ao homem. A lei, decerto, foi criada para a mulher, uma vez que ela é muito mais vítima de violência do que o homem ??? no Brasil, 11 mulheres morrem por dia em decorrência da violência doméstica.


No entanto, a violência não é inerente ao gênero e, portanto, apesar de a lei ter sido pensada e feita para a mulher, é bastante coerente sua aplicação a favor do homem, quando este busca a proteção judicial.


O juiz Gilvan Macêdo dos Santos faz coro com minha posição. Aos 67 anos, ele escreveu o livro ???A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à Lei Maria da Penha???. A obra, que teve dois lançamentos cancelados e gerou muita polêmica, fala sobre a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha.


O juiz, que atuou na Segunda Vara de Violência Doméstica, pondera que, se uma mulher ferir um homem terá uma pena muito mais branda ??? por isso defende que a lei é bem-feita e necessária, mas que deveria haver a mesma penalidade para homens e para mulheres.


De fato, a constitucionalidade da Lei é passível de questionamento caso a Lei Maria da Penha seja aplicada exclusivamente em prol da mulher, o que fere o princípio da Isonomia consubstanciado no art. 5º, inciso I da CF/88.


O questionamento é no sentido de usar a lei de forma análoga, para proteger o homem. Analogia nada mais é do que um método de auto integração do direito pelo qual, no julgamento do caso concreto, a lacuna legislativa é preenchida com a mesma resposta dada pelo legislador a uma situação específica que, embora não seja aquela sob exame, com ela se identifique em essência.


Desta forma, o objetivo é mostrar que a mulher não é vítima exclusiva de violência doméstica ??? o homem também pode ser, não havendo restrição com relação às qualidades de gênero do sujeito passivo.


Assim sendo, o homem não deve ter vergonha de recorrer ao Poder Judiciário para buscar proteção e fazer com que cessem as ameaças ou agressões de quem vem sendo vítima. Na nossa cultura paternalista, a sociedade pode enxergar este ato como um ato de covardia, quando na verdade é um ato sensato que busca resguardar sua integridade, e cabe à Justiça fazer seu papel.


Devido a várias decisões jurisprudenciais, fica claro que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha podem ser aplicadas para favorecer o homem, analogamente in bonam partem ??? a fim de favorecer o agente. No entanto, este entendimento ainda não está totalmente pacificado, mas as decisões favoráveis recentes caminham nesse sentido.


A aplicação da lei de forma análoga é possível devido ao poder geral de cautela do juiz em conceder medidas cautelares inominadas àqueles que necessitam proteção do Estado, com a condição de que venham a requerer esta proteção.


Assim, no caso concreto de violência doméstica contra um homem, não aplicar analogamente a Lei Maria da Penha é ferir o Princípio da Isonomia, garantido pela nossa Constituição. ?? uma afronta a um direito fundamental e, portanto, um ato inconstitucional.